Uma caverna subaquática nas profundezas
abissais do mar Egeu; um grito ecoava pelas paredes úmidas e gotejantes
repletas de um aroma acido. O lugar obscuro parecia-se com o vestíbulo do
inferno, um compartimento há muito criado para aprisionar uma criatura tão
igualmente maligna e antiga; a água estava poucos metros distante do
prisioneiro que, gritava incansavelmente preso a grilhões, seus braços, pulsos
e tornozelos esfolados combinavam com o frenesi de sua movimentação.
Era um homem velho em idade e aparência,
seus longos cabelos brancos e ondulados, parte tocavam-lhe a cintura e parte
caia sobre os ombros despidos e com uma musculatura invejável até mesmo para os
maiores atletas da atualidade. A braba também pendia do rosto e do queixo
fazendo conjunto com o bigode tão cheio que cobria a boca e confeccionavam
assim uma face que parecia muitíssimo castigada pelo tempo.
_Nereu!!!_Gritou o velho acorrentado, e,
testou novamente as correntes que o prendiam e que por sua vez estavam afixadas
nas rochas que formavam as paredes de sua caverna-prisão.
_Maldição Nereu, apareça!
A voz do prisioneiro assemelhava-se a um
trovão de tão potente e retumbava tão alto que todo o vestíbulo rochoso tremia.
Ele parou por um instante, ergueu a
cabeça, viu preso ao teto rochoso e gotejante, junto às estalactites formadas
por milhões de anos em que a água salgada do mar acima dele entrava por
diminutas fendas no solo submarino e gotejavam pacientemente dentro da câmara
em que estava; a única coisa que ele ainda almejava. A arma com a qual poderia
se libertar e retomar o poder, mas ela estava há alguns metros acima de sua
cabeça e nunca conseguiria buscá-la estando preso de pés e mãos.
Uma segunda pessoa surgiu saindo da água
como um espectro dos mares bem em frente ao prisioneiro; era tão velho quanto o
primeiro, na verdade era mais velho ainda, não possuía as dimensões de corpo
atlético; pelo contrário, era franzino e parecia extremamente indefeso. Seu
corpo enrugado pela água praticamente congelante, que estava por toda parte
fora da caverna localizada dentro de uma fenda num dos maiores abismos
submersos da terra, parecia o corpo de um homem que possuía cerca de cento e
trinta anos embora possuísse quase um milhão e trezentos, nem ele sabia mais.
_ Finalmente._ disse o preso.
Era Nereu; ou o que sobrou dele, uma
criatura que lembrava um homem, mas que possuía cabelos e barbas tão
apodrecidos que tinham uma tonalidade esverdeada, lembravam algas e por entre
eles, emaranhando-se, estavam centenas de pequenos seres marinhos. Ele foi
incumbido de guardar a todo custo a prisão onde ficou encerrado o antigo
regente do mediterrâneo, Posidon.
Nereu ao surgir da água trazia consigo um
tridente e apontando-o na direção de Posidon esperava ser confrontado, mas logo
olhou para a arma presa ao teto, outro tridente, e vendo que o outro ainda
permanecia preso baixou a guarda.
_O que você quer?_ disse em uma língua que
já não é mais falada sobre a superfície da terra faz mais de três milênios.
O Prisioneiro entendia perfeitamente,
afinal era a língua que ele assumiu como sendo sua; a língua que deu origem aos
idiomas helênicos.
_Liberte-me desse tormento; livre-me desta
prisão._implorava.
Nereu parecia cansado e ao respirar o
pouco de ar que existia no interior da caverna vacilou e teve que se apoiar em
seu tridente, como se ele fosse um mero cajado; estava curvado e cada hausto de
ar era acompanhado por um chiado estranho vindo dos velhos pulmões que
reclamavam.
_ As ordens são para que você nunca mais
veja a luz do sol. Jamais.
Posidon protestou gritando e debatendo-se
contra as correntes; ele fazia tanta força que as rochas também choravam
emitindo estalos e rangidos, mas não cediam, não soltariam aquelas correntes
nunca. Tampouco tais correntes se partiriam.
_Bruxo! _vociferou o preso_ Quando eu sair
daqui vou atrás de você e o que fiz com seu pai Oceanus, suas filhas Nereiades
e seus irmãos Taumantes, Forcis e Ceto não será nada comparado ao castigo que
porei sobre sua cabeça.
Nereu não respondeu nada e o outro continuou
falando.
_ Você sempre soube que eu seria
encarcerado aqui, seu dom de profecia lhe avisou; você viu aqueles que
invadiram o Olimpo atrás de meu irmão e vieram confrontarme dentro dos mares.
A fúria de Posidon era visível e superava
qualquer outra ira que o velho adivinho do mar e guardião tinha visto nos
últimos tempos.
_Bruxo! Feiticeiro, traidor; servindo a
propósitos de outros contra sua própria raça.
Nereu estendeu o tridente novamente na
direção de Posidon, nada o faria mais feliz do que eliminar o causador de
tantos males; o ser que juntamente com seu irmão arrogante deflagrou
uma caçada contra todos os de sua raça afim de possuir o controle dos mortais
para seu uso exclusivo. O episódio sobreviveu às eras conhecido como
titanomaquia.
Mas Nereu abaixou seu ímpeto, pois agora
ambos possuíam um inimigo comum e ambos também eram prisioneiros cada qual em
sua prisão.
_Somos muito diferentes _rebateu o velho
curvado e respirando com dificuldade_ Você, um olímpico e eu uma força da
natureza, um titã; apesar disso nenhum de nós têm mais o direito de caminhar
sobre a terra. Nós dois assim como alguns outros fomos banidos até o fim dos
dias.
Posidon se contorceu contra as correntes
sem sucesso e Nereu continuou:
_Nunca mais você sairá deste lugar; até o
dia do julgamento e eu serei seu carcereiro pelo mesmo tempo, então finalmente
enfrentarei o meu fim.
_ Deixe-me sair e diga onde estão meus
irmãos.
Nereu retornou para a água até que esta o
cobrisse pela cintura, voltou-se para Posidon e disse:
Os homens e os filhos dos homens se
multiplicaram sobre a terra, as ciências tomaram o lugar da ignorância usada
por seus irmãos olímpicos para dominar tudo e todos. Seu irmão que tramava
usurpar o trono dos deuses agora dorme em seus próprios domínios, o reino dos
mortos, o hades; derrotado por uma centúria subserviente ao Eterno.
Aquele que honrava a si mesmo como sendo
rei dos deuses, o filho de Cronos, permanece preso num lugar longínquo chamado
júpiter onde uma tempestade afasta tudo que se aproxima, seja mortal ou
imortal. É só o que sei.
_Não!_gritou novamente_ Nós nos libertaremos
e enfrentaremos as tropas celestiais.
Nereu agora com a água a altura do pescoço
dizia:
_Já fizemos isso, não lembra? Não há força
na imensidão do cosmos capaz de vencer tal confronto, nada nem ninguém
confronta o exército eterno e vence. Você sabe muito bem disso; ora, por esse
motivo está aqui.
_Não!!
_ Alguns ainda caminham sobre a
superfície, não sei quantos nem quais, mas são muitos, porém a você resta
lamentar e lembrar dos dias de glória que o império olímpico já gozou debaixo
do sol; dias esses que nunca mais se repetirão. Quanto a mim sei dizer apenas
que meus irmãos e irmãs que ainda sobrevivem estão tramando um gigantesco revés
contra a raça humana mortal, algo do qual eu não participarei por estar preso a
você aqui em baixo; então me resta apenas me conformar.
Nereu finalmente se foi imergindo por
completo e retornando sabe-se lá pra onde nas profundezas, deixando seu
prisioneiro aos berros no lugar onde nenhuma alma o poderia ouvir por mais mil
anos.
eu gosto de historias pequenas
ResponderExcluirOlá professora Alessandra!
ExcluirObrigado por seu comentário.
Grande abraço.