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Uma vida a menos



Yago e Luis estavam sentados embaixo de uma marquise improvisada com telhas sobre duas vigas de madeira. Ele passaram praticamente quatro horas conversando uma série de bobagens sem sentido, falavam de seus personagens favoritos dos desenhos da televisão e não notaram o passar das horas.
Era uma noite daquelas que se configuram depois de uma chuva forte de verão, o mês, Janeiro. O ar estava puro e parecia limpo; o cheiro da rua de paralelepípedos molhados entrava por suas narinas como um aroma agradável e bucólico desenvolvido por algum mestre perfumista.
_ Já passa das dez horas._ Disse Yago ao amigo.
_Pois é, não tem ninguém na rua, só nós._ respondeu o outro.
A verdade era que a rua na qual moravam tinha uma fama ancestral, muitos na redondeza costumavam dizer que coisas estranhas ocorriam de repente e sem a menor explicação aparente. Por vezes eles mesmos já haviam presenciado algum tipo de manifestação estranha, pás pelo fato de serem apenas duas crianças, tais fenômenos eram soterrados por outros pensamentos e acabavam se tornando apenas lembranças tênues do que realmente tinha ocorrido.
A rua onde estavam possuía uma quantidade muito grande de garotos que se reuniam com freqüência, porém por vezes ou por ocasiões de chuva, somente poucos se aventuravam fora de casa; naquela noite eram apenas aqueles dois.
Certa vez eles estavam em um pequeno grupo e ouviram um grito medonho que correu por toda a extensão da rua como se fosse o fantasma de um Banshee, o detalhe é que não havia ninguém mais na rua alem deles; por causa desse episódio eles tinham ficado muito tempo sem se reunir como estavam fazendo naquela noite. Já estavam se acostumando em ver fenômenos estranhos e até mesmo uma curiosidade mórbida os estava motivando a permanecer ali e descobri qual seria o próximo evento sobrenatural que presenciariam.
Vez por outra um carro passava em velocidade e dobrava a esquina ao longe, aquele era o único barulho que se fazia presente na rua; os dois amigos conversavam baixo.
_ Você se lembra de quando ouvimos aquele grito estranho aqui na rua?_ Yago trouxe a memória à tona novamente.
_ Claro.
_ O que será que era aquilo?
_Só Deus sabe._ Luis se levantou de onde estava e estendeu a mão para constatar que novos pingos de chuva estavam caindo do céu; fracos, mas ainda sim, continuavam a cair.
Em frente ao lugar onde eles estavam tinha uma casa na qual seus moradores haviam deixado de habitar fazia pouco tempo, a casa estava desocupada e escura, os próprios jovens costumavam invadi-la para brincar de esconde-esconde.
_ Essa rua é muito estranha_ disse Luis lembrando dos inúmeros fenômenos que já presenciara ali.
Um carro dobrou pela esquina ao longe e veio subindo a rua numa velocidade cada vez mais alta, passaria por eles com um barulho estridente. Os faróis acesos do veículo pareceram não ser o suficiente para que seu motorista pudesse ver o que estava em sua frente, visto que um gato saltou de algum lugar que nenhum dos amigos ali sentados conseguiram perceber e tentou atravessar a rua correndo. Tentou.
O carro passou e prosseguiu em sua viagem, subiu a rua e desapareceu dobrando pela outra esquina ao longe sem que seu condutor percebesse o que tinha feito. Àquela altura tanto Yago quanto Luis já tinham ficado perplexos com o acontecimento e não sabiam o que lhes aguardava em seguida.
O gato fora atropelado impiedosamente, o animal tentou, sem sucesso, atravessar a rua e foi pego por uma das rodas do carro; o barulho foi tão estranho e medonho que ambos os jovens se sobressaltaram de forma horrorizada.
_ Caramba! O gato morreu!_ Luis ficou espantado.
O barulho foi como num baque surdo e a roda traseira do veículo tratou de unir o felino ao chão.
Yago olhava fixamente para a cena sem perceber que faltava algo ali; o gato estava morto, sem dúvida, mas nenhuma gota de sangue espirou do animal, tampouco por ter sido amassado quase completamente, suas entranhas estavam em qualquer parte.
Apenas a cabeça do gato não havia sido atingida pelo pneu e o bicho parecia agora com um pequeno fantoche cuja cabeça é de borracha e o corpo é de pano, jogado no meio da rua molhada.
_ O cara nem percebeu que atropelou um gato_ disse Yago.
De repente ambos ouviram um estalo esquisito, parecia o retorcer de um velho galho seco de árvore, em seguida, mais um e mais um; quando se deram conta já era tarde, mais um fenômeno estranhamente bizarro estava se desenrolando diante de seus olhos.
Ambos gritaram em uníssono:
_ O gato!!
O felino se contorcia e miava de uma forma terrivelmente anormal, gradativamente, seu corpo achatado ganhava volume novamente como se inflado de novo da morte para a vida até chegar ao formato ideal que tinha antes do atropelamento. O som dos miados ecoavam pela rua e eram tão estranhamente macabros que poderiam gelar o sangue de qualquer desavisado que por ventura passasse por ali, tal como estava fazendo com os dois amigos que presenciavam o retorno do felino.

Ele tentava alcançar o outro lado da rua, mas parte de seu corpo ainda estava destroçada pelo impacto do choque contra o pneu, até que finalmente ele saltou; só então os jovens perceberam que aquele som de madeira seca estalando na verdade era o som dos ossos do gato voltando para seus devidos lugares. De uma única vez todo o corpo do bichano estalou, todos os ossos simultaneamente e a criatura caiu de pé com as quatro patas contra o solo e o rabo sinuoso no ar, de uma forma tão graciosa que parecia novo em folha; em seguida correu novamente e chegando do outro lado da rua, saltou sobre o muro da casa abandonada e de lá para dentro da casa, sumindo na escuridão.
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