Pular para o conteúdo principal

CRONOS 7.0


Marcelo abriu o notebook com certa desconfiança, não é todo o dia que se acha um equipamento como este nas ruas. Ele entrou no ônibus pagou a passagem e caminhou tranquilamente até a parte traseira do coletivo, costumava sempre sentar perto da janela no último banco, muitas pessoas não gostavam de se sentar ali por acharem que sacudia demais.
Naquele dia ele percebeu que exatamente no último banco, no assento da direita havia uma coisa, continuou a caminhar e quando se sentou, não pode acreditar na grande sorte que teve. O objeto colocado sobre o assento era um notebook na cor preta, porém sem nenhuma marca aparente; Marcelo se perguntou como uma pessoa foi capaz de perder um equipamento como aquele, afinal de contas não era como perder um celular ou um Ipod; um computador portátil era algo muito maior e exigiria um grau de distração extremo para ser abandonado principalmente num local como aquele; exceto se estivesse quebrado e terrivelmente irrecuperável ou se fosse abandonado de propósito. De qualquer forma ele achou que não custava nada dar uma olhada no laptop para verificar se a máquina estava ou não em condições de uso.
Antes, porém, Marcelo olhou para as outras pessoas que também estavam sentadas dentro do ônibus para ver se alguma delas o observava com olhar curioso, mas não havia mais do que três outros passageiros e todos sentados da metade para a parte da frente do coletivo em lugares distantes uma das outras e completamente concentradas em seus próprios pensamentos, assim como o trocador; ele pensou que quem quer que tivesse perdido ou abandonado o computador ali devia ter sentado  mais para a parte traseira do veículo e saído com extrema pressa.
Depois de sentar próximo da janela como era seu costume e tomar o computador nas mãos Marcelo ficou por um minuto averiguando a máquina; não havia nenhuma marca conhecida que pudesse denunciar qual era o fabricante do notebook, mas também não havia nenhuma indicação de que a marca foi retirada, parecia que o aparelho fora produzido daquele jeito, sem qualquer logotipo.
Também não havia nada que mostrasse se o antigo dono era homem ou mulher, o que por si só já era um tanto estranho porque geralmente cada pessoa tende a transferir parte da sua personalidade para seus bens e os computadores não costumam fugir à regra, personalizando-os com adesivos pessoais de acordo com suas preferências como escudos de times de futebol, marcas de carro, desenhos infantis, imagens femininas, símbolos diversos da cultura popular ou com aquelas películas coloridas que se coloca sobre a parte de fora do computador.
O laptop possuía quinze polegadas e pesava muito menos do que deveria, Marcelo já possuía um notebook em casa, um Samsung com as mesmas medidas deste que tinha achado e costumava andar com ele pra todo lado, já tinha registrado na mente, involuntariamente, o peso que um aparelho daqueles possuía, e embora o seu já fosse leve, aquele que achara era levíssimo e, além disso, era muito fino, parecia ser um ultrabook.
Depois de analisar o equipamento por um minuto ele resolveu abrir para ver se o mesmo estava funcionando. Logo que abriu, a tela se acendeu, o computador entrou em inicialização e Marcelo percebeu algumas peculiaridades um pouco diferentes, a primeira delas era que as teclas pretas mantinham seus caracteres, letras, números e símbolos também acesos; obviamente havia pequenas luzes de led dentro de cada tecla fazendo com que cada uma delas possuísse uma iluminação própria e de cores diferentes, aquilo era um detalhe bem interessante e que incrivelmente podia ser percebido mesmo durante o dia e em lugares com muita iluminação como era o caso do ônibus. Além disso, o botão do teclado que geralmente tem a figura da bandeira do Windows possuía um caractere diferente; uma pequena letra grega minúscula “ômega”. Marcelo achou aquilo muito esquisito, mas suas dúvidas estavam apenas começando.
Outra coisa diferente era que o computador inicializou bem rápido, muito mais rápido do que o seu computador pessoal ou qualquer outro que ele já tinha visto e também não apareceu a já tradicional logomarca do sistema operacional da Microsoft, o Windows, ao invés disso uma pequena bola de luz girou bem no centro da tela escura, em seguida desapareceu e no seu lugar surgiu a palavra C.R.O.N.O.S seguido pela numeração 7.0. Marcelo jamais tinha ouvido falar num sistema operacional com aquele nome; conhecia além do Windows, o Linux e o Mac OS. Mas também já tinha ouvido falar no GNOME e no KDE.
Na sequência, a tela escura também sumiu dando lugar ao que parecia ser a tela inicial da área de trabalho do sistema operacional, não foi pedido nenhuma senha, tampouco apareceu a tela de gerenciamento de usuários e aquilo foi a primeira coisa que espantou Marcelo, porque o que parecia ser o papel de parede no fundo da tela não era uma figura estática, mas sim algo móvel como os papeis de parede dinâmicos do android. No fundo da tela, em terceiro plano estava a imagem de um céu completamente nublado onde as nuvens carregadas corriam com grande velocidade levadas pelas correntes de vento; era como se um trecho de filme ou um vídeo em alta definição fosse usado como wallpaper.
Em segundo plano, ocupando o centro da tela estava a imagem de uma ampulheta sobreposta ao céu, esta ampulheta ocupava quase todo o centro da tela como se fosse uma coluna central de cima para baixo e exatamente como a outra imagem, esta também se movia com uma nitidez incomum até para as telas mais modernas do mercado. A ampulheta tinha a parte superior repleta de areia e logo que o computador se iniciou a areia começou a escorrer num filete para a parte de baixo que estava completamente vazia.
Esta tela se parecia parcialmente com a tela do Windows, era bastante intuitiva, porém, não havia barra de tarefas na parte inferior, tampouco tinha o clássico botão de iniciar ou o ícone de relógio. Mas em primeiro plano havia trinta ícones alinhados nas quatro partes da tela; Marcelo contou; havia dez ícones na parte superior, e mais dez na parte inferior, cinco no lado direito e mais cinco no lado esquerdo. Um desses ícones, um pequeno triangulo deitado para a direita, era o clássico símbolo “Play” muito usado para iniciar vídeos e áudios desde a época dos antigos toca-fitas e vídeos-cassete e logo abaixo deste ícone estava escrito a palavra: “iniciar”.
Havia também os ícones da lixeira, conexão com a internet de alta velocidade, editor de textos, editor de planilhas, programa de tratamento de imagens, programa de produção de apresentações visuais, navegador de internet todos com interfaces semelhantes aos clássicos Word, Excel, Internet Explorer; havia outros completamente desconhecidos, porém, o que mais chamou a atenção dele naquele primeiro momento foi o ícone de atalho de um programa chamado “Interceptador”. Marcelo ficou curioso para saber que programa era aquele, com um duplo clique o programa abriu numa janela que ocupou toda a tela e a seguinte frase apareceu:
“Bem vindo ao Interceptador Cronos 7.0”
Na sequência uma lista enorme de opções surgiu na tela com a seguinte pergunta:
“O que deseja fazer agora?”
Havia tantas opções que levaria muito tempo para Marcelo descobrir o que cada uma delas significava, numa contagem rápida ele chegou ao número de dez opções e calculou que aquele número não era nem a décima parte da quantidade total; ele segurou a tecla de seta para baixo fazendo com que o cursor passasse rapidamente entre as possibilidades, devia haver mais de cem opções. Muitas delas possuíam legendas que ele não fazia a menor ideia do que significavam, mas uma entre as muitas ele imaginava o que poderia ser. A legenda dizia:
“Rastrear e monitorar rede de telefonia móvel.”
Com um clique naquela opção uma nova tela se abriu e uma caixa de dialogo apareceu informando o status da operação que se processou em duas etapas.
“Primeira etapa; Rastreando”_ foi o que apareceu, e em seguida. _ “Segunda etapa; Identificando”. Nesse momento apareceu na tela o seguinte conjunto de dados:
“Ligações em curso no raio de ação, 13.985”, mas o número oscilava constantemente e rapidamente para mais e para menos, Marcelo deduziu que devia ser porque o computador estava rastreando as ligações locais, mas como estava dentro de um ônibus em constante movimento o programa rastreador estava localizando e perdendo ligações conforme elas entravam e saiam do seu raio de varredura.
Aquilo era extremamente impressionante, Marcelo se perguntava que tipo de máquina seria aquela e que tipo de programas eram aqueles.
O programa rastreador ofereceu uma opção ainda mais assombrosa; uma lista com todas as ligações que estavam sendo efetuadas e monitoradas cada qual com o número que estava fazendo a ligação, descrito no programa como número de origem, o número de destino, que estava recebendo a ligação, suas respectivas operadoras, seus planos de conta, ou seja, se os aparelhos eram pré ou pós-pagos, o valor de cada franquia e mais algumas informações que ele não compreendia.
Uma nova caixa de diálogo apareceu com as seguintes instruções:
“Escolher na lista uma ligação para monitorar” ou “digitar número para busca rastreamento e monitoração”. Abaixo dessa frase havia um botão “Refinar busca”.
Marcelo clicou na primeira opção e em seguida no primeiro número da lista e uma nova janela apareceu; esta continha vários botões com as seguintes indicações: Ouvir ligação, gravar ligação, interceptar ligação, interromper ligação, transmitir ligação, comparar ligação, transferir GSM, bloquear GSM e encerar escuta.
Ele ainda não tinha total certeza, mas parecia que estava diante de um programa espião capaz de ouvir ligações alheias; aquilo era ao mesmo tempo fantástico e amedrontador, pois ali estava a prova definitiva que o tão falado sigilo nas ligações telefônicas não passava de conversa fiada. Marcelo poderia invadir a privacidade de qualquer uma daquelas pessoas que estavam falando aos telefones demonstrados na lista sem que estes tivessem a mais remota ideia de que estavam sendo monitorados.
Mesmo com certo receio de estar infringindo uma quantidade enorme de leis, Marcelo clicou no botão “Ouvir ligação”. Uma caixa de dialogo menor apareceu momentaneamente no centro da tela; nela estava escrito:
“Decodificando criptografia...”,
“...Código GSM quebrado”;
Uma voz feminina apareceu falando:
_Ela disse que não ia à festa hoje; fiquei sem saber o que fazer.
Outra voz feminina respondeu:
_ Isso é normal; você não sabe que ela é esquisita?
Os sons das vozes na ligação estavam sendo exibidas também graficamente em uma janela que mantinha um marcador de tempo cronometrando os segundos e minutos da escuta.
Abismado e excitado Marcelo interrompeu o processo clicando no botão “encerrar escuta”, teve medo de continuar ouvindo a ligação principalmente porque estava dentro de um ônibus. Olhou ao redor novamente e percebeu que apenas ele estava dentro do veículo, ficou tão entretido com aquele computador que nem percebeu quando as outras pessoas saíram do coletivo. Estava próximo de seu ponto também; tinha de ficar atento.
Ele fechou as janelas do aplicativo que ainda estavam abertas e voltou para a tela inicial do Interceptador Cronos 7.0 que exibia a lista de opções principais do programa; ainda confuso, resolveu dar uma nova passada sobre as opções dispostas na lista e cada uma delas parecia ser mais surreal do que a anterior; aleatoriamente ele verificou opções como: “Sistemas Financeiros, Bases de Dados Federais, Acessar servidores do Guardião, Invadir a Nuvem de Informação, Rastrear e monitorar rede de telefonia fixa, Rastrear e monitorar redes de internet diversas, Conectar Satélite, Contatar Tetragramaton, Deflagrar infecção viral, Inicializar Rede Zumbi”
Marcelo fechou o notebook e ficou por um momento sem saber o que pensar, tinha certeza de que estava diante de um supercomputador, uma plataforma capaz de invadir, modificar e trabalhar de qualquer maneira em sistemas e redes consideradas altamente seguras, sigilosas e proibidas. Várias perguntas começaram a surgir em sua cabeça, afinal, quem teria desenvolvido um computador aparentemente tão diferente quanto aquele? Haveria outros? Que pessoas, empresas ou órgãos teriam investido para criar um sistema operacional tão poderoso e avançado quanto o CRONOS 7.0? E com que finalidade? Seria obra do governo brasileiro ou de alguma organização clandestina? Além disso, o que exatamente seria o programa Interceptador Cronos 7.0? Seria apenas um protótipo ou algo definitivo? As perguntas se multiplicavam rapidamente.
Finalmente o ponto de Marcelo chegou e ele se levantou para sair do ônibus segurando firmemente o seu novo computador; deu sinal e o motorista parou logo em seguida. Marcelo desceu do ônibus tentando imaginar quanto poder havia agora em suas mãos.

Comentários

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens mais visitadas deste blog

Dica para escritores iniciantes: 7 Perguntas para criar seu personagem principal

A criação de um personagem principal exige atenção redobrada do escritor ao desenvolver sua trama, a ponto de muitas vezes um personagem ser capaz de segurar os leitores mesmo quando uma trama não é tão boa assim. Muitos autores acham que escrever um livro é simplesmente contar um relato em que um determinado personagem faz as coisas e pronto, mas isso não costuma funcionar e tem como resultado livros que não conseguem atingir seus leitores da forma correta. Escritores que pensam deste modo costuma apresentar em seus livros personagens sem muita profundidade ou carisma e isso é a fórmula para que seu livro fracasse. A magia de um livro bem escrito passa pela técnica da verossimilhança e no desenvolvimento de seu personagem principal, sobretudo, não é diferente. Mas o que seria isso, verossimilhança? Muito simples. Verossimilhança é a arte de tornar seu personagem o mais próximo possível da realidade a ponto de realidade e ficção se confundirem. Alguns autores famosos ou anônim

Escritores não estudam gramática. -- Dicas para escritores iniciantes

Na primeira vez que me deparei com esse conceito achei que não fazia sentido, mas a verdade, por mais estranho que possa parecer, é que grandes escritores não estudam gramática, eles se preocupam muito pouco em escrever perfeitamente ou de maneira erudita, respeitando e seguindo todas as regras gramaticais; isso acontece porque eles entendem que precisam usar seu tempo e energia para desenvolver algo que para eles é muito mais importante e relevante do que a gramática. E o que seria isso? A própria escrita.   Escritores estudam escrita . Professores e linguistas estudam a gramática; e por mais que exista uma proximidade entre eles, na medida em que ambos manuseiam as letras e as palavras de alguma forma, a arte do escritor não está em conhecer profundamente o seu idioma, mas sim em saber como usá-lo de maneira eficiente para contar uma história, quer seja de ficção ou não; que seja cativante e envolvente; ou transmitir informações caso escreva sobre temas técnicos. Escritores n

Serpente marinha

_O que poderia ser aquilo? As duas bolas incandescentes vinham em alta velocidade dentro da água do mar em direção ao navio, a fragata União, designada também pelo alfa numérico F-45. O alarme disparou momentos atrás por um dos sentinelas e chamou grande parte da tripulação ao convés, todos estavam muito aflitos para saber o que poderia ser aquelas duas bolas semelhantes a anéis de fogo navegando pouco abaixo da superfície d’água. Era noite e o navio seguia do Rio de Janeiro para Miami; estavam agora em águas caribenhas. Os sonares estavam captando algo que aumentava de tamanho conforme se aproximava, era uma coisa muito grande. Não parecia-se com nada que a tripulação experiente já tivesse visto em muitos anos de mar. A correria aumentou em todos os postos de combate, a sirene soou mais uma vez e anunciava posições de batalha, soldados foram alocados no convés do navio munidos de armas, outros começaram a preparar torpedos e minas de profundidade. Dois alertas foram emitidos;