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Três e meia -- Conto


A gasolina corria pelo conduto da bomba até o tanque do carro enquanto Dedimar segurava a mangueira junto da parte traseira do automóvel.
Checou o horário em seu relógio de pulso e verificando que tratava-se de três e meia da madrugada, ele estava na estrada já há quase uma hora e havia parado naquele posto de gasolina para completar o tanque e tomar um café.
O posto de gasolina à beira da estrada, não possuía frentistas e o próprio motorista era o responsável por abastecer, utilizando para tanto uma forma antecipada de pagamento por meio de cartão de crédito específico daquela companhia de abastecimento. A noite parecia calma e até mesmo a rodovia era cortada pelos carros somente em espaços longo de tempo.
Dedimar foi ao interior da loja de conveniências do posto, logo que terminou de encher o tanque e, lá dentro falou com um rapaz:
_Bom dia.
O rapaz atrás do balcão parecia muito cansado, mas respondeu assim mesmo.
_Olá, como vai.
Dedimar pegou numa gôndola alguns pacotes de bolo recheados e se dirigiu ao balcão onde o funcionário esperava por ele.
_Por favor, pode me dar um café para viagem?_ pediu.
_Sim, é claro.
O rapaz do balcão se afastou por um momento e enquanto preparava o café o outro retirava a carteira do bolso para fazer o pagamento.
Por fim o funcionário retornou trazendo um copo descartável de tamanho médio cuja bebida escura dentro fumegava deixando solto no ar aquele aroma característico. A troca foi feita rapidamente; o café e os pacotes de bolo recheados pela quantia em dinheiro. Despedindo-se, Dedimar deixou a pequena loja e do lado de fora abriu um pacote e comeu o bolo acompanhado por alguns goles do café quente e revigorante. Enquanto fazia isso olhava ao redor, ora para a estrada, ora para o lugar onde o posto estava localizado; uma espécie de matagal se iniciava bem atrás do posto e banhado em escuridão parecia se estender até o horizonte.
Terminou o café e já estava se preparando para entrar novamente no carro e seguir viagem quando a coisa estranha aconteceu.
Uma luz apareceu vinda de cima e surgindo do nada, cortou o lugar com uma velocidade surreal, algo como um flash; em seguida um barulho, tal como aquele produzido por navios transatlânticos no momento em que vão zarpar, foi ouvido por ele.
As luzes do posto foram engolidas por uma claridade exagerada vinda do céu escuro da noite, como se de repente o posto de gasolina tivesse sido colocado bem embaixo do sol. A claridade era tamanha que Dedimar não conseguia mais enxergar nada além dos limites do posto; o mundo ao redor parecia ter sido subtraído de seu entorno, mas na verdade era exatamente o contrário.
O barulho se fez presente outra vez, ensurdecedor, como um titã recém acordado, um gigante monstruoso e enfurecido ou alguma besta do apocalipse. Juntamente com este som e com a luminosidade excessiva, surgiu uma rajada de vento que açoitou tudo em seu caminho; arremessando placas e “banners” que estavam pendurados nas partes superiores do posto ao chão.
O jovem balconista saiu desesperado e confuso, na sabia nada do que estava acontecendo, mas fora surpreendido com a luz entrando pela porta da lojinha de conveniências e pelo som monstruoso.
_ O que é isso?!_ perguntou o rapaz ao ser agredido violentamente pelos ventos barulhentos e pela luz incandescente.
Dedimar agora estava agarrado à porta de seu automóvel tentando fazer sua mente equacionar tudo aquilo.
Vento e luz.
O homem agarrado na porta do carro pensou que estava sendo vítima de um ataque nuclear, mas logo desistiu da idéia; a luz mudou seu espectro, migrou de um branco azulado para  um amarelo alaranjado. Em meio a toda aquela balburdia provocada pelo vento que varria tudo de um lado para outro, como um pequeno tornado, Dedimar procurou o outro rapaz que não estava mais em seu campo visual; gritou por ele, mas não obteve resposta. O jovem tinha desaparecido.
Outros barulhos apareceram com uma brutalidade sem igual; estalidos por todas as partes, todo o posto de combustível estava se partindo; abrindo-se em várias rachaduras que brotavam do chão, das paredes e do revestimento de pvc que recobria a parte superior do lugar.
O corpo de Dedimar formigou por inteiro, o som reapareceu pela terceira vez e trouxe consigo um peso tal que jogou o homem ao chão; alguns estilhaços de concreto flutuavam em direção ao teto, como sendo puxados por uma força que funcionava contra a gravidade.
As bombas de combustível tombaram, os vidros da porta, das janelas do carro e de partes da loja de conveniência explodiram ruidosamente; uma sensação de abafamento começou a ser sentida; como se o ar ao redor fosse o ar dentro de uma grande panela de pressão; mesmo assim, os cacos de vidro e concreto continuavam subindo livres da gravidade. A luz aumentou ainda mais sua intensidade a ponto de começar a queimar seus olhos; foi obrigado a fechá-los.
Ouviu o barulho do carro e de tudo o que era feito de metal reclamando e se retorcendo; sentiu calor e o formigamento em seu corpo aumentar até que virou dormência; todos os membros estavam num estado anestesiado por completo e sua cabeça doía intensamente. Resistiu ao máximo lembrando-se de fatos diversos de sua vida, mas sucumbiu.
Acordou sendo balançado por um homem do corpo de bombeiros; o lugar estava repleto de pessoas e o sol brilhava intensamente. Olhou ao redor sem saber ao certo o que tinha acontecido, não lembrava. O posto havia sido completamente destruído.
_ Você está bem?_ perguntou o bombeiro.
Dedimar tinha as roupas levemente chamuscadas e sua cabeça doía um pouco. Não respondeu.
_Houve um incêndio aqui meu amigo. Uma explosão._ asseverou o soldado.
Dedimar foi colocado numa maca e recebeu os primeiros socorros; enquanto as pessoas se revezavam indo e vindo para examiná-lo, ele olhava ao longe o que tinha restado do posto de gasolina, do carro em que estivera e de parte da rua em frente. Os bombeiros ainda jogavam jatos d’água e de pó químico para resfriar partes do lugar; os carros que passavam na avenida parcialmente interditada reduziam a velocidade para ver o que estava acontecendo.
A dor na cabeça ainda incomodava, escutava um leve zumbido nos ouvidos e seu pescoço doía. Não se lembrava de absolutamente nada e estava imaginando como ele foi pego por aquele incêndio do qual os bombeiros diziam e já tinham controlado.
Levou a mão ao pescoço e sentiu um pequeno nódulo na base da nuca, provavelmente fruto de uma forte batida contra aquela região.
Outro bombeiro se aproximou.
_ Foi um milagre você ter saído ileso._ disse.
Dedimar foi levado para um hospital e não conseguia se lembrar do que aconteceu naquela madrugada; não lembrava de nada, da luz intensa, do vento, nem do som tenebroso, da pressão e do calor e tampouco do balconista desaparecido, que não morreu, mas que jamais seria encontrado.
Durante todo o trajeto para o hospital Dedimar ficou absorto em seus pensamentos e não conseguia tirar os olhos do céu, mas não sabia motivo.

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